domingo, 6 de janeiro de 2013

Confissões de um figurante

Sempre a acompanhei, onde quer que ela fosse. À escola, ao trabalho, em suas viagens (tanto concretas quanto imaginárias).
Dentro daquela bolsa preta e funda, me deparava com as mais diversas coisas... Estojos, óculos, agendas, eletrônicos, até mesmo comidas. Vivi ao lado dela aventuras incríveis, ouvi músicas de todos os tipos e permiti que ela desabafasse comigo suas mágoas, seus amores, suas preocupações, prometendo jamais contar seus segredos a ninguém.
Todos os dias, independente do horário, ela me abria, escrevia, apagava, chorava, ria, até mesmo gritava e falava consigo mesma... Depois de um tempo, muitas vezes sem ao menos terminar o que havia começado, me guardava e partia.
Eu a via chorar, sofrer, amar... Eu a decifrava, sabia o que estava sentindo apenas pela sua maneira de segurar o lápis... A ouvia cantar enquanto pensava na vida ou em sua nova criação.
Foram longos dias, e longas noites sem ela. Pensei que tinha sido esquecido. Até que, numa certa madrugada, ela me pegou, desesperada! Escrevia, apagava, me rasgava... Eu entendi, as coisas não estavam boas, mas eu queria ao menos consolá-la, e dizer que aquilo estava me machucando.
Mas não pude. Jamais poderia.
Ela me jogou para longe. E lá fiquei, durante dias, ou até meses.
Eu a vi andar de um lado para o outro, estudar, cantar, assistir TV. Eu a vi chegar com uma sacola de compras, e tirar de dentro dela um outro caderno. Novinho.
Olhem para mim... Estou velho e todo rasgado. Era mais que óbvia a substituição, que infelizmente está marcada em cada página do meu corpo.
Só esperava ser reconhecido... Eu a conhecia melhor que ninguém. Eu a amava com todas as minhas forças, a amava como nenhum, novo ou usado, jamais amaria. Mas infelizmente não pude dizer isso a ela.
Só desejo que aquele outro a compreenda e a conforte da mesma maneira como fiz, enquanto agora faço parte deste mero cenário, de uma história a ser contada por outros olhos.

                                       
                                                A.B.

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