sábado, 20 de julho de 2013

Reflexo de um meneio desajeitado

Amélia pintava seus quadros sempre com o mesmo manusear dos pincéis, sempre seguindo sua metódica e sustentando sua neurose. Ao acabar, por mais impecável que estivesse sua obra, os defeitos realçavam aos seus olhos. Olhos arenosos e distantes, lunáticos.
Amélia não entendia o que a fazia cometer erros gravíssimos, imperdoáveis e absolutamente notáveis! Quem levaria para casa tais desastres? Buscando a resposta, relembrando cada passo de seus meneios, encontrou o que procurava. Encontrou onde o movimento do pincel fora executado de maneira errônea, e o pior de tudo, em todas as suas obras. Desesperada, soube que seguiu inconsciente e insanamente um roteiro criado por si própria, diante da repetição impetuosa de seus movimentos.
Procurando fugir de tal rotina que a destruía, Amélia forrou seu quarto com tecido crú e, dançando conforme Chopin propunha, pintou até mesmo a si. O som do piano ficava mais alto e mais forte a cada pincelada que aquelas paredes envolvidas por tela recebiam.
Amélia girava em torno de seu próprio eixo, enquanto lágrimas furiosas sem destino prévio rolavam pela sua face. Seus gritos já não podiam ser ouvidos, pois já não existiam.
Exausta, jogada ao chão, sobre pincéis sujos e quebrados, decidiu fugir de seu mundo para ver o que podem oferecer lá fora. Ao retirar o primeiro retalho de tecido de sua parede, deparou-se com o espelho. Amélia não suportou. Foi encontrada já sem sinais vitais aos pés de sua penteadeira num dia de feriado qualquer.


                                                        A.B.

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